O que é Liturgia?
- Colarinho Romano
- 13 de jul. de 2022
- 5 min de leitura
A resposta que comumente se escuta a este questionamento é: liturgia é a “ação de graças” de um povo que se reúne num local específico para prestar culto a Deus e agradecê-lo pelos benefícios concedidos à humanidade.
Entretanto, muito além de mera socialização, a liturgia católica é a ação do próprio Deus, que atrai para si todos os seus filhos e santifica-os com um culto prestado por Ele mesmo através de seus filhos. De fato, o povo que se reúne na igreja para, por exemplo, uma Santa Missa, não se reúne sob os nomes de cada um (a Júlia, a Beatriz, o Lucas e etc.), mas se reúne como o Corpo Místico de Cristo, para presenciar o sacrifício redentor do próprio Jesus, que se oferece ao Pai em expiação dos pecados do mundo; e Cristo o faz pelas mãos do sacerdote.
Numa perspectiva histórica, foi o próprio Deus quem revelou a maneira como queria ser cultuado quando, após retirar o povo de Israel do Egito, ordenou e orientou o desenvolvimento da religião e sociedade judaica. Na Igreja Católica, também é Deus quem revela como quer ser cultuado, orientando os concílios e o magistério papal no desenvolvimento orgânico da liturgia que nasceu nas santíssimas palavras “Isto é o meu Corpo... Este é o cálice do meu Sangue...” e no mandamento divino “fazei isto em memória de mim” (Lc 22, 19-20).
Qual sua importância para a Igreja?
Na liturgia, em especial na Eucaristia, a Igreja encontra sua força, seu sustento. Deus desce ao seu encontro em Corpo, Sangue, Alma e Divindade, e a Igreja é atraída para Ele. Nesse encontro entre o céu e a terra, a humanidade recupera a dignidade destruída pelo pecado, o pecado é expiado, os pecadores se arrependem, os transviados são convertidos e as almas do purgatório finalmente encontram seu lugar de descanso.
Cristãos de todas as épocas e lugares ofereceram esses mesmos dons ao Deus Altíssimo e, quando vamos à Igreja, nos unimos aos seus anseios, às suas dificuldades, aos acontecimentos de seu tempo e aos méritos que conquistaram na busca pela santidade, realizando assim o artigo que solenemente professamos a cada domingo: “a comunhão dos santos”, somos um só corpo.
Ao longo dos séculos, conforme o modo de culto dos povos, a liturgia absorveu elementos e ritos úteis para a explicação da doutrina sagrada, e isto é observável em simples elementos, como mergulhar um fragmento da hóstia no cálice, gesto que remonta ao século III, até a comunhão do povo logo após a comunhão do sacerdote, rito que surgiu recentemente na Igreja (1962). A liturgia não se desfaz de determinados elementos devido a sua riqueza histórica e proveito espiritual, e por isso se diz que ela é a memória da Igreja.
A Igreja possui sua memória e ela é chamada Liturgia. A Liturgia é a memória da Igreja. A Missa é o lugar onde a Tradição vive. (...) Na Missa, os cristãos são trazidos até aquele Único Sacrifício, que é eterno. (...) Na Missa, a Igreja conhece sua identidade e ensina-nos de modo mais concreto que em qualquer solene documento papal. O Papa Pio XI declarou que a Liturgia é o órgão primário do Magistério ordinário da Igreja (Scott Hahn, 2007).
De alguma maneira, os ritos litúrgicos atingem diretamente a consciência das pessoas, a sua alma, e assim, o simples gesto de inclinar a cabeça ao Santíssimo nome de Jesus pode, por exemplo, ensinar a todos o respeito pelo Santo nome.
Enfim, passar-se-ão séculos e sempre se descobrirá coisas novas a respeito dos efeitos e da importância da liturgia, pois é mistério divino, e Deus é inesgotável.
Deixar a Liturgia falar por si
A liturgia não necessita de invencionices humanas para ser atrativa e bela aos olhos dos fiéis. E mesmo que as pessoas clamassem por atrações espetaculares numa Santa Missa, isso não seria de proveito para suas almas e piedade, pois o Sacrifício de Cristo é per si absoluto, isto é, basta por si, tendo a capacidade de penetrar até o mais duro coração e converter até a alma mais imersa no pecado.
Devemos deixar a liturgia falar por si, pois em cada um de seus ritos previstos nos livros litúrgicos já se encontra a expressão da fé católica, e isso é necessário para ensinar as verdades reveladas por Deus.
As cerimônias resplandeçam de nobre simplicidade, sejam transparentes por sua brevidade e evitem as repetições inúteis, sejam acomodadas a compreensão dos fiéis e, em geral, não careçam de muitas explicações (SC, 34).
Lex Orandi, Lex Credendi
Não há dúvidas de que a forma como oramos é a forma como cremos (lex orandi, lex credendi). A liturgia nos inspira e norteia a nossa fé, como no caso acima referido, onde a inclinação ao nome de Nosso Senhor faz com que respeitemos o sagrado.
Isso significa que a liturgia deve expressar, em sua essência, as máximas da fé católica, ainda que de maneira discreta. Alterar os ritos sagrados de maneira arbitrária ou adicionar elementos estranhos ao catolicismo pode levar ao prejuízo da fé, como já se observou em determinados momentos da história.
Alguns contam tradicionalmente que a falta de zelo de padres para com a Eucaristia, numa determinada região da Inglaterra do século XVI, fez com que parte do povo perdesse completamente a fé na presença real de Cristo na Eucaristia, passando a crer que se tratava de mero simbolismo; e foi esse ato que facilitou a acepção deste povo à fé anglicana que estava por nascer com o rei Henrique VIII.
Recomenda-se vivamente que os responsáveis pela liturgia paroquial tenham sensibilidade e humildade para perceber e obedecer a tradição católica no preparo das cerimônias, para que tudo concorra à salvação das almas.
Sacramentos
A liturgia é o meio que Deus instituiu para nos comunicar a sua graça e permanecer no meio de nós. Os Sacramentos, de maneira especial a Eucaristia, são o ápice litúrgico, deles emana toda a força e energia vital da Igreja. Podemos dividi-los em três partes: os sacramentos da iniciação cristã, os sacramentos de cura e os sacramentos da vocação (ou missão).
Os sacramentos da iniciação cristã são o Batismo, a Confirmação e a Eucaristia, e são responsáveis por fazer com que o cristão dê seus primeiros passos na fé e nela amadureça, bem como alimentam o organismo espiritual do indivíduo.
Os sacramentos de cura são a Penitência e a Unção dos Enfermos. O primeiro traz a cura para a alma pelo perdão dos pecados e reconciliação com Deus, enquanto o segundo traz a cura para o corpo em suas enfermidades, ao passo que prepara para a boa morte.
Por fim, mas não menos importante, os sacramentos da vocação são a Ordem e o Matrimônio. Pela Ordem, o homem é chamado a ser fecundo na ordem da graça, produzindo filhos e filhas para Deus nos sacramentos e santificando o povo eleito. Pelo Matrimônio, o indivíduo é chamado a ser fecundo na ordem da natureza, procriando e formando uma família que vive à imagem da comunhão de amor da Santíssima Trindade.
In corde Iesu, semper,
Colarinho Romano.
Bibliografia
Bíblia, nova tradução oficial da CNBB, 2019.
Coleção (4 vols.): Entrarei no Altar de Deus, Michel Pagiossi, 2014.
Constituição Apostólica Sacrosanctum Concilium, Compêndio do Vaticano II, 1998.
Catecismo da Igreja Católica, 2000.
Catecismo Maior de São Pio X, 2015.
Instrução Geral do Missal Romano, 2002.
Introdução ao Espírito da Liturgia, Joseph Ratzinger, 2013.
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